Foi certo
frade, de quem a história não se deu sequer ao trabalho de registrar o nome, que surgiu com a
indefensável doutrina: a preguiça não deveria ser considerada um vício, mas uma
virtude. A tese seria debatida num sínodo convocado para que se estabelecesse o
rol definitivo dos pecados capitais. Compareceriam os mais brilhantes teólogos
e doutos em assuntos de fé.
O frade
preparou seus argumentos: o pecado, acreditava ele, é algo que se comete
ativamente, um movimento do pecador no mau caminho. Assim, não poderia ser
pecaminosa a preguiça cuja essência é inércia. Por suas características, ela
seria antes um veículo precioso por favorecer a reflexão e a contemplação - exercícios
espirituais de reconhecido valor. Além disso, a preguiça teria o condão de
afastar-nos de alguns indiscutíveis males: os que muito laboram, por exemplo,
acabam tornando-se avaros dos frutos do seu trabalho; aqueles que realizam
grandes obras, envaidecem-se dos próprios feitos; os que pretendem muito
conquistar, não raro, rendem-se à ira. A preguiça, pelo contrário, é
desapegada, humilde e pacífica, por sua própria natureza. Para concluir, o
religioso citaria o episódio das irmãs de Lázaro: a defesa de Jesus a Maria que
ociosamente o escutava, em detrimento dos apelos da laboriosa Marta.
Enquanto se
preparava para a contenda, o frade antecipou os longos e desgastantes debates
que, seguro, arrastar-se-iam por semanas, quiçá por meses. Cansado de antemão,
concluiu que mais eloquente que seus discursos seria seu exemplo. E, por
indolência, não compareceu aos feitos.