Sobre este Blog

“Disse que seu livro se chamava o Livro de Areia, porque nem o livro nem a areia tem princípio ou fim. (...)
O número de páginas deste livro é exatamente infinito. Nenhuma é a primeira; nenhuma, a última”.

Jorge Luís Borges, O Livro de Areia

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Antiquado

Às vezes doem-me saudades
do tempo em que o telefone
era menos smart que eu,
e estúpido, servil, acessório,
obrigava ao impensável:
Falar
E Ouvir.

Moça com celular num case de pérola, 2014 - John Jackson

domingo, 19 de julho de 2015

Contabilidade

À conta de quem cobraremos
as horas de espera, as horas
perdidas a conta-gotas?

A quem enviar a fatura
do tempo gasto no aguardo
da resposta, do convite,
do trem que vem com atraso?


Enquanto esperamos a vida,
a vida não nos espera
e segue bebendo-nos
gota a gota,
sem nos dizer
quanto resta
de saldo.
Jovem adormecida, Vermeer (1657)





sexta-feira, 3 de julho de 2015

Entrega


Súbita, mas delicadamente.

Escalou os tornozelos, subiu a panturrilha, se enroscou nas coxas, embebeu o sexo, afagou o umbigo, abraçou o peito, envolveu as costas, conquistou os braços, lambeu o pescoço, enregelou a nuca, fez festa ao queixo, comprometeu a boca, acariciou as faces, embaraçou as vistas, osculou as pálpebras, coroou a testa, ungiu a cabeça e recomeçou.

Provocou arrepios e gozo, levando a este outro mundo fluido, de carícias menos etéreas, onde abrigou o corpo, desnudado, desprotegido e entregue.

A onda.



Crianças na praia
Sorolla (?)