Habituou-se tanto ao silêncio - este crescente deserto - que aos poucos foi esquecendo o gosto das palavras. No lugar delas, sedimentaram-se fragmentos: rostos, objetos, lugares, sensações... Um mundo assaltado pelo sempre novo: impermanente, descontínuo.
Teve medo? Talvez no princípio. Mas logo, por falta de um rótulo, também o medo se desfez.
Já não possuía coisa alguma (senão o instante, sabidamente fugaz) quando, ao ter ouvido o próprio nome, seu rosto ganhou a luz de um sorriso. E não foi pela musicalidade das sílabas, foi algo distinto, como se de algum recôndito lugar surgisse uma resposta, um reconhecimento: um eu. Não sei o que este reconhecimento trouxe consigo: a memória da voz materna? a infância? a identidade? o fio condutor de toda uma vida? Talvez apenas o consolo de haver encontrado algo que havia, sem o saber, perdido.
É a luz deste rosto que me visita em sonhos, às vezes.
Esta, creio, foi sua última lembrança.