Sobre este Blog

“Disse que seu livro se chamava o Livro de Areia, porque nem o livro nem a areia tem princípio ou fim. (...)
O número de páginas deste livro é exatamente infinito. Nenhuma é a primeira; nenhuma, a última”.

Jorge Luís Borges, O Livro de Areia

sábado, 13 de dezembro de 2014

Ana

Habituou-se tanto ao silêncio - este crescente deserto - que aos poucos foi esquecendo o gosto das palavras. No lugar delas, sedimentaram-se fragmentos: rostos, objetos, lugares, sensações... Um mundo assaltado pelo sempre novo: impermanente, descontínuo. 
Teve medo? Talvez no princípio. Mas logo, por falta de um rótulo, também o medo se desfez. 
Já não possuía coisa alguma (senão o instante, sabidamente fugaz) quando, ao ter ouvido o próprio nome,  seu rosto ganhou a luz de um sorriso. E não foi pela musicalidade das sílabas, foi algo distinto, como se de algum recôndito lugar surgisse uma resposta, um reconhecimento: um eu. Não sei o que este reconhecimento trouxe consigo: a memória da voz materna? a infância? a identidade? o fio condutor de toda uma vida? Talvez apenas o consolo de haver encontrado algo que havia, sem o saber, perdido.
É a luz deste rosto que  me visita em sonhos, às vezes.
Esta, creio, foi sua última lembrança.