Vezes muitas a vi estática, o olhar fixo nalgum ponto entre o lá e o aqui: um não-lugar. Suspirante.
Um dia violentei seu silêncio: "Por que suspiras?" Com um olhar que me transpassou e um sorriso seco, respondeu-me: "Pelo nada". E interpretei que ela dissesse que não era da minha conta e que eu devia cuidar da minha vida e me retirei, entre desculposo e ofendido. Só depois, quando visitei a lembrança, foi que me dei conta de que ela dissera "pelo nada" e não "por nada", como eu havia entendido a princípio. E que seu olhar não me acusava, mas procurava um cúmplice.
Pelo Nada, eu refleti. O Nada: o silêncio anterior ao Fiat, o vazio de si mesmo vazio, a ausência irreparável, o inominável que precede o verbo e a esse sobrevive, o que tinge com cor inexistente toda memória e esperança, o pó que irmana os Césares e os vermes e que rotula de vaidade todo o feito humano: o Nada. E me flagrei suspirando, o olhar fixo em um não-lugar.
Prometi a mim mesmo que no dia seguinte, quando a reencontrasse no trabalho, lhe diria que eu a compreendera, e que também me assalta esta vertigem do abismo, e que às vezes, também, me falta ar, e que me acomete esta ânsia, o branco desespero, a solidão sem acalanto: a perspectiva do Nada. Queria ter lhe dito essas coisas, mas era tarde: ela havia atendido ao chamado do Nada - quiçá irrecusável.
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