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“Disse que seu livro se chamava o Livro de Areia, porque nem o livro nem a areia tem princípio ou fim. (...)
O número de páginas deste livro é exatamente infinito. Nenhuma é a primeira; nenhuma, a última”.

Jorge Luís Borges, O Livro de Areia

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Selfie

Os primeiros autorretratos lhe ocorreram quase espontaneamente: registrar a própria imagem era uma extensão do gesto de olhar-se no espelho. Aos poucos, a ação converteu-se num hábito e quiçá num vício. Alguém próximo acusou-lhe o excesso (mas o que é estar doente quando o mundo entorno também está?). 
Em todas as imagens exibia o mesmo olhar perscrutador, como se fosse assaltado pelo receio de ter descoberto algum terrível segredo. Multiplicavam-se os retratos, variações desse mesmo tema: o eu, caleidoscópico. Era como se cada mudança tivesse que ser catalogada (como se a alguém, além dele, interessasse). Não poucos viram nisso uma frivolidade, sem enxergar esta verdade simples: retratava-se para provar que estava vivo, não para outrem, mas para si mesmo. Desconfiava da própria existência. E de tanto suspeitar que não era real, por não viver senão a retratar-se, acabou inexistindo.


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