Num
gesto involuntário, consulta o celular:
03:19 pm. A ponta do pé direito apoiada
no
chão enquanto o calcanhar oscila como se seguisse
o
ritmo de uma música oculta. Quase um tremor. As mãos - é preciso
ocupá-las - ajeitam o saleiro e o porta-guardanapos. O garçom se
aproxima.
Se
ele perguntar de novo se já escolhi...
- Com licença, - intervem entre os dentes amarelecidos - o senhor já escolheu?
- Com licença, - intervem entre os dentes amarelecidos - o senhor já escolheu?
-
Ainda não.
-
Fique
à vontade - diz e se afasta,
olhando
de soslaio.
Ele verifica, novamente, o telefone: 03:21 pm. Talvez, um atraso. Marcaram às três. Mas, como não conhecia o lugar, e como o restaurante ficava do outro lado da cidade, e como não conseguia pensar noutra coisa, chegara cedo demais. Às duas e trinta e quatro, sentou-se junto à mesa de onde melhor se podia ver a entrada. “Dadas as circunstâncias, é preciso discrição. Espero que você compreenda”, dizia o e-mail. Ele assentiu, contrariado: poderiam, ao menos, ter trocado os telefones.
Ele verifica, novamente, o telefone: 03:21 pm. Talvez, um atraso. Marcaram às três. Mas, como não conhecia o lugar, e como o restaurante ficava do outro lado da cidade, e como não conseguia pensar noutra coisa, chegara cedo demais. Às duas e trinta e quatro, sentou-se junto à mesa de onde melhor se podia ver a entrada. “Dadas as circunstâncias, é preciso discrição. Espero que você compreenda”, dizia o e-mail. Ele assentiu, contrariado: poderiam, ao menos, ter trocado os telefones.
O
sinete sobre a porta anuncia uma chegada. Desenha-se contra o vidro
fosco um vulto. Respiração e pulso em descompasso: ele se apruma na
cadeira e vê entrar
uma jovem de cabelos louros, aéreos. Ela tem a sua idade, vinte e
poucos, usa um vestido azul
celeste
na altura dos joelhos, estampado com o que parecem ser minúsculas
borboletas,
ou, talvez, pássaros
ou, talvez, aviões.
Um
leve casaco branco paira sobre seu antebraço
esquerdo. Atrás dela, a
mão
de
um homem de uns
quarenta anos flutua sobre seu ombro direito.
O
jovem desvia o olhar.
Por
um instante, quis
que fosse ela a pessoa a quem aguardava, não porque a tivesse
desejado, mas, apenas, para que a espera chegasse ao fim.
Seu
olhar
recai
sobre a mesa.
Dá-se
conta de que, no lugar onde estivera o saleiro, restou
o testemunho de um círculo feito de minúsculos cristais brancos.
Pressiona o indicador contra a arenosa matéria e experimenta sua
aspereza com a polpa macia do dedo. O sal se dissolve, saturando o
suor da mão. Quase pode saber-lhe o gosto.
Outra
vez, a porta se abre e os olhos, em resposta, procuram. Pulso, de
novo, em tropel: um vulto por trás do vidro. Sem dúvida, é a mão
de um homem que segura
a porta. Talvez
seja ele. Mas,
quem
surge
é
uma
senhora envolta
num casaco terroso, pesado demais para
a
estação, quase da mesma cor dos
cabelos artificialmente
castanhos.
Um
cachecol areia lhe
escorre
dos ombros.
O homem que sustentava
a porta,
entra logo
após.
Ele usa um terno
marinho imune às modas. Braços
dados, o casal passa
por
ele,
deixando atrás
uma
onda de
jasmim
e almíscar.
O
jovem se abandona na cadeira e esvazia os pulmões, vencido. Folheia
o
cardápio
que já sabe de cor e lê, escandindo as sílabas, como quem busca,
na cabala do acaso,
explicação ou resposta.
-
Es-con-di-di-nho... vin-te-e-três.
Atrás
dele, uma mulher ri. O rosto lhe queima e os ouvidos se aguçam à
procura da ameaça. Uma segunda mulher dispara:
-
Eu juro! Ele ainda teve a cara de pau de me ligar?!
Gargalhadas,
cúmplices. Não era ele, afinal, o alvo. E por que seria? Ninguém o
sabia ali. Ninguém o notara. Salvo, por certo, o garçom que de novo
o rondava.
O
soar do sino anuncia um novo cliente. O homem, em quem ele busca
traços familiares, tem perto de cinquenta anos, veste um blazer
cinza sobre uma camisa palha. Cinza sobre palha, ele para
e procura. O jovem sustém a respiração, ajeita-se na cadeira e
ergue, timidamente, a mão direita. Do lado oposto, caminha
uma mulher que acolhe o recém-chegado com um beijo. Atrás do jovem,
explode nova risada da qual ele já
não
tem certeza de não ser o alvo. Seu
rosto
arde.
-
Pois não? - aproxima-se o garçom com o sorriso amarelo, em
desalinho. Ele leva alguns segundos para dar-se conta de que o braço
permanecera erguido.
-
Uma água com gás - gagueja, em improviso.
-
Com gelo?
-
Sem.
O
atendente se afasta e ele volta a ficar sozinho. Mais do que antes.
Mais do que nunca. Não consegue evitar e consulta o telefone: 03:45
pm. O homem, que ele não conhece, não veio; não virá. Já não
sabe se há décadas ou há horas o espera.
Até eu estava angustiada com a espera! Muito bom!
ResponderExcluirEu pude sentir a ansiedade, o suor nas maos,os olhos quase catatonicos mergulhados na direção da porta, os músculos enrijecidos de tensão ... e, finalmente, o torpor da frustracao...
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